A tragédia hoteliana

Eu estava em casa, deitado com minha esposa quando soube do ocorrido. O telefone tocou com um ar sério, pareceu logo de cara de que traria uma notícia importante ou trágica. No caso, ambas. Do outro lado da linha, eu conversava com o delegado Wilson. O sono escorreu-se de mim quando o motivo da ligação fora bradado: o meu hotel havia sido invadido.

No caminho até a cena do crime muitas perguntas me subiram à cabeça. Será que algum funcionário ou hóspede se feriu? Poderiam ter levado a receita do caixa do dia? Algum ato de vandalismo? Perguntas em vão, afinal eu só seria introduzido à verdade no momento que chegasse lá. 

Alguns quilômetros de asfalto depois e cá estamos. Serei modesto, era um hotel mediano. Não havia dinheiro o suficiente para torná-lo o palácio que eu idealizara, portanto ele foi esculpido à medida que meu bolso pôde pagar. Por isso, a tabela de preço dele teve que acompanhar o nível de luxo oferecido. Descobri nessa dança que havia um nixo bem proveitoso para a faixa de preço estipulei, e a esse nixo me agarrei. Tornei o meu então amante no meu cônjuge oficial.

Chego no hotel e me deparo com o suposto delegado Wilson, a única força policial no local, sentado nos degraus que introduzem a entrada. Ele tragava um ar triste de seu cigarro e portava um semblante semelhante. Quando me viu chegando pôs-se de pé e suspirou o ar que precisava para dizer as seguintes palavras: "sinto muito, invadiram seu hotel e destruíram sua campainha."

O sujeito partiu depois disso, aparentemente mais triste que eu que nada entendia à essa altura. Quando cheguei ao hall principal, vi que os hóspedes esperavam em fila para sair enquanto olhavam com desdém para o chão que pisavam. Os funcionários com seus trajes sociais incompletos e com um certo ar de frustração e preocupação. Me dirigi à Lili, a recepcionista. Ela parecia tão confusa quanto eu na situação e me disse: "Eu não entendo, eles entraram aqui, destruíram a campainha da recepção e foram embora. Alguns minutos depois, em perfeita sincronia, os hóspedes e funcionários dos andares acima se reuniam com toda essa tristeza aqui."

Vi-me numa situação complicada. Fiz o que julguei melhor na hora, recebi as chaves dos quartos eu mesmo, decretei folga no dia seguinte e dispensei os funcionários. Dei carona para Lili até sua casa, um prédio com apartamentos pequenos de faixada verde clara, e me dirigi à minha casa.

No dia seguinte inteiro, uma quarta-feira com ar úmido e certo calor, fiquei refletindo porque fizeram aquilo. Poderia eu ter deixado algo passar? Fora a situação toda um golpe articulado pelos funcionários e detetive Wilson que excluiu Lili e a mim? Nada fazia muito sentido. Nem mesmo eu. Tirei o dia para descanso. 

O dia amanheceu extraordinário. O céu ostentava azuis na de ponta à ponta enquanto algumas nuvens charmosas pairavam graciosamente no horizonte. Quando cheguei ao hotel encontrei Lili com uma sacola, me esperando na entrada. Ela olhou-me nos olhos disse com um pesar tremendo: "é, senhor, realmente não há mais o que fazer..." E partiu depois de me entregar a sacola com seu uniforme de trabalho. 

Os dias que seguiram foram marcados pelas reportagens em tom de luto em jornais e telejornais falando sobre o meu hotel e como sua campainha fora surrada. 

Hoje, depois de muitos anos, entendo o significado do ato. O gesto por trás disso. Você que invade os registros do meu pensamento também não deve entender de imediato do que se trata. Mas, como eu mesmo descobri, algumas respostas vêm com o tempo.

p.s.: Ok, eu sei que sumi por alguns dias, mas foi preciso. Agora, quase livre do fardo de calcular, posso me dedicar mais a este querido blog. O que não quer dizer de forma alguma que teremos posts com mais frequência


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