Sobre armários e ser deixado para trás

Numa pequena fazenda de pequenas uvas, nasci. Eu, uma pequena garota, nasci numa pequena fazenda que plantava pequenas uvas. Quando já não era mais tão pequena, meu pai me mostrou um pequeno broto. Ele disse "um dia esse pequeno broto será uma grande e bela árvore". Eu gostava como papai olhava para as coisas, principalmente as da terra. Mamãe não esteve por perto por muito, ela logo se foi. "Para muito longe, um lugar muito melhor" o papai dizia sobre mamãe. Logo cresci, não diria que me tornei grande mas adquiri alguma altura. Ainda sim, não consegui vencer minha principal competidora: minha árvore de estimação. Não que me entristecesse, ela serviu-me ótimos frutos em tardes de ouro. Mas, de fato, eu havia perdido. Um dia quase belo me bate à porta um rapaz de casaco marrom claro e sapatos engraçados. Dizia ele ter muito interesse na nossa pequena fazenda de pequenas uvas. Meu pai não gostara do sujeito e eu consigo entender o porquê, mas eu sabia que era a chance de, quem sabe, tornar essa pequena fazenda de pequenas uvas em uma grande fazenda de grandes frutos. Dei-lhe minha mão em casamento. Expliquei meus planos a meu pai e ele assentiu. Não concordou, mas assentiu. Para ele bastava que eu estivesse feliz com alguém que fizesse amor ter mais que quatro letras. Não me entendam mal, o sujeito não era de todo um traste. Só... não era o meu rapaz. Casamos. A grande árvore dos grandes frutos foi meu presente de casamento. "Essa árvore esteve conosco nas melhores e mais douradas tardes. Até quando o chão era gelo seus frutos não perderam o apelo. Mas seu tempo se foi. Agora ela servirá como abrigo. Somente seus mais belos vestidos deve esconder nela!" Era um presente adorável, cada dobradiça me lembravam um dia especial diferente. Ah, sim, meu rapaz fez conforme prometido e transformou a pequena fazenda, agora apenas minha fazenda, de pequenas uvas em uma grande fazenda de grandes frutos. "De todos os sabores e aromas dessa terra, você é a minha favorita!" costumava dizer meu rapaz. Digo costumava pois agora esse título não me pertence mais, provavelmente agora era título de alguma outra jovem que veste um charme parecido com que eu tivera. E agora, na minha provável última primavera, me pego pensando no destino que tivera minha árvore favorita. Sim, era um armário, mas nunca deixou de ser uma árvore para mim. Me sinto terrivelmente culpada por tê-lo deixado ir quando não lhe couberam mais tantos vestidos. Espero que quem quer que a tenha agora consiga ler as histórias gravadas em suas ranhuras, todas as tardes eternizadas em fios de madeira... Ah... de todas as tardes que roubei do tempo essa será minha favorita.

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